MARCEL PEREIRA

28 março 2007

PIB “revisitado” não reverteu o mau desempenho relativo do Brasil

Foi divulgado nesta quarta-feira, 28 de março, o resultado revisado do PIB em 2006. Semana passada já se havia sido apresentado a revisão do desempenho entre 2000 e 2005. Com estes resultados, a taxa média de crescimento real na primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva subiu de 2,7% ao ano para 3,3% ao ano.
O melhor desempenho, entretanto, não é suficiente para reverter o mau resultado relativo do Brasil frente ao resto da economia mundial. Segundo os dados do FMI, entre 2003 e 2006, a economia mundial, “surfando a onda” da abundância de liquidez nos mercados globais, cresceu, em média, 4,9% ao ano. Ou seja, o Brasil cresceu, por ano, somente 0,69 vez o que o mundo cresceu neste período.
Se comparado às quatro gestões anteriores que estiveram à frente da Presidência da República, considerando os mandatos de Fernando Collor de Melo e Itamar Franco como uma só gestão, não há melhoria (ver gráfico abaixo).
Portanto, nem tudo é positivo na constatação de que o Brasil cresceu mais do que se pensava nos últimos anos. O diagnóstico de que desajustes no modelo econômico estão “apertando o torniquete” mais do que seria necessário, permanece válido.
A nova metodologia adotada pelo IBGE aperfeiçoou o sistema de coletas de informação, incorporando ao cálculo do PIB uma maior base de dados. Dentre as principais mudanças de metodologia, destacam-se: redefinição da composição de formação bruta de capital fixo (investimentos diretos) e a incorporação de serviços novos (como: processamento de dados, banco de dados e distribuição on-line, atividades de áudio-visual e cinematográficas, e agências de notícias).
Na composição da taxa de investimentos, diminuiu-se a participação da construção civil e aumentou-se a de máquinas e equipamentos.
A incorporação de novos serviços levou a expansões maiores, concentradas em “comércio” e “consumo das famílias”. O agregado do setor de serviços aumentou sua participação total na formação do PIB de cerca de 55% para cerca de 65%. Este foi o fator mais expressivo na geração de uma taxa de crescimento maior.
O terceiro fator a gerar expansão maior neste período foi o setor público (que corresponde à cerca de 15% no resultado do PIB). A depreciação dos ativos do governo passou a ser agregada como “consumo do governo”. O valor da produção governamental passou a ser a soma entre: gastos de custeio, remunerações de funcionários e consumo do capital fixo (depreciação).
Em 2006, essa mudança fez a taxa de crescimento real da economia subir de 2,9% para 3,7%. O setor de serviços, que subira 2,4% na metodologia antiga, acumulou alta de 3,7%. A administração pública, que crescera 2,1% no resultado anterior, agora cresceu 3,1%. No consumo, o do governo subiu de 2,1% para 3,6% e o das famílias de 3,8% para 4,3%. As mudanças nos três setores da economia foram as seguintes: agropecuária de 3,2% para 4,1%, indústria de 2,8% para 3,0% e serviços (já citado) de 2,4% para 3,7%.

Quanto à obtenção do Investment Grade: a melhoria no resultado do PIB dos últimos anos não altera minha expectativa quanto à obtenção do grau de investimento pelo Brasil, ainda que melhore o resultado do indicador onde o país tem maior debilidade: a proporção entre a dívida e o PIB. O Brasil deverá conquistar o “triplo B menos”, nota mínima para a classificação como grau de investimento, em 2009. Havendo uma grande possibilidade de um upgrade nas agências para “duplo B mais” antes do fim de 2007, deixando o país a apenas um degrau do posto almejado.
A relação entre a dívida líquida e o PIB foi reduzida, com a revisão da metodologia feita pelo IBGE, de 49,7% para 46,5%. O nível que consideramos ideal para a obtenção do investment grade é abaixo de 40%. O dado revisado do PIB, por um lado reduz a proporção dívida/PIB no presente, mas por outro, reduz a velocidade da redução deste indicador anteriormente projetada. Com um PIB maior, reduz-se o resultado do superávit primário, sendo este menor do que aquele que antes utilizava-se na conta. A trajetória rumo ao nível inferior a 40% fica sendo, grosso modo, praticamente a mesma.
O outro indicador a representar uma debilidade na obtenção da nota é a proporção de títulos prefixados na composição da dívida mobiliária. Este resultado não sofre alterações com o PIB maior. Hoje, os papéis prefixados representam cerca de 32% da dívida, bem abaixo do nível de qualidade na administração da dívida que consideramos a vulnerabilidade mínima compatível ao grau de investimento: 50%. Por essas razões, sustento minha aposta. O Brasil deverá conseguir atingir a nota que lhe garantirá o investment grade em 2009.



21 março 2007

Tensão pré-Fomc trava mercados

* coluna de Luiz Sérgio Guimarães no VALOR ECONÔMICO de 21 de março de 2007.
A tensa expectativa que cerca a reunião de hoje do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) do Federal Reserve (Fed) travou a maior parte dos mercados e segurou a queda do dólar. Os investidores optaram por não ampliar as suas apostas. A maior parte dos analistas não prevê mudanças significativas no comunicado pós-reunião - juro básico mantido em 5,25% e insistência na preocupação do Fed com as pressões inflacionárias, relegando para segundo plano os sinais de desaceleração econômica -, mas não quiseram ontem se comprometer operacionalmente com esta crença.
Poucos investidores assumem um viés mais otimista. Uma nota pós-Fomc adepta da idéia de que a inflação caminhará naturalmente para um patamar anual abaixo de 2% e de que a atividade econômica irá desaquecer-se apenas moderadamente será capaz de restaurar a euforia nos vários mercados. Mas não se descarta o oposto disso, a adoção de um tom bem mais sombrio em nota carregada de advertências. Na dúvida, os mercados não saíram do zero-a-zero ontem.

Dólar cai a R$ 2,0780 e chega ao piso do ano
Em pregão de reduzida volatilidade, a maior parte dos contratos futuros de juros negociados na BM&F fechou estável ontem. A exceção foi o contrato mais negociado, para janeiro de 2009, que cedeu 0,01 ponto, para 11,79%. O risco-país permaneceu sem alteração, a 185 pontos-base, durante a maior parte do dia. E o dólar caiu apenas 0,04%, cotado a R$ 2,0780, o mesmo valor do piso do ano, marcado no dia 21 de fevereiro. O menor preço anterior a este, de R$ 2,0610, foi alcançado em 10 de maio de 2006, justamente em dia de reunião do Fomc.
Se o Fomc descartar a possibilidade de recessão no fim do ano, assumindo uma visão anti-Greenspan, o fluxo de dólares em direção ao Brasil será ampliado. A RC Consultores acredita que, se a política monetária não for alterada, o dólar poderá chegar a R$ 1,90 até o terceiro trimestre. A consultoria desenvolveu modelo econométrico considerando manutenção do ritmo de queda da taxa Selic em 0,25 ponto por reunião do Copom, reservas internacionais acima de US$ 100 bilhões e risco-país com tendência a cair a 160 pontos-base. A variável-chave é a velocidade de corte do juro básico. Pelo modelo, se o BC restaurasse o compasso de 0,50 ponto de queda, o dólar não teria forças para cair abaixo de R$ 2,10 no penúltimo trimestre de 2007.
A RC Consultores argumenta que não haveria conseqüências nocivas à inflação se o Copom voltasse a diminuir a Selic ao ritmo de 0,50 ponto. Isso porque a taxa ainda carrega uma gordura considerável. O BC poderia reduzir o juro real para a faixa de 7% (hoje está em 8,5%) sem medo de provocar fuga de capitais estrangeiros. Esse juro real de 7% é o que os investidores aceitam sem aversões para adquirir papéis brasileiros lá fora, pois é o resultado da soma da taxa básica americana (5,25%) e do risco-país (ontem de 185 pontos-base). Este ganho real de 7,10% mais a expectativa de IPCA para o acumulado do ano de 3,87%, segundo o boletim Focus, equivale a uma Selic de 11,24%. Ou seja, o juro básico brasileiro poderia cair 1,5 ponto sem gerar instabilidades cambiais. Isto, se o BC quiser, de fato, cumprir a meta de inflação de 4,5% para este ano. Mas a RC desconfia que os seus planos são outros. "Claramente, há outra orientação na condução da política monetária, cujo propósito não é mais, apenas, o de atingir os 4,5% de inflação. Essa mudança é altamente significativa", diz Marcel Pereira, economista-chefe da consultoria.
Como a ata do Copom sinalizou a continuidade, não se sabe até quando, do ritmo de 0,25 ponto, muito em breve, segundo Pereira, o dólar estará abaixo de R$ 2,00. "A conseqüência será uma menor aceleração do crescimento da economia, já que os preços dos produtos brasileiros ficam menos competitivos no mercado externo e os juros domésticos enxugam liquidez no mercado interno", diz o economista.
Diante do conteúdo conservador da ata do Copom e da melhora constatada no cenário externo, LCA alerta que poderá alterar as projeções de Selic e de taxa de câmbio para o final do ano incorporadas em seu cenário básico. Por ora, ainda mantém estimativa de 10,75% para a taxa básica e de R$ 2,25 para o dólar, ambas das mais otimistas do mercado.
O BC irá realizar hoje à tarde pesquisa junto aos seus 17 dealers de câmbio para conhecer o interesse dos credores em renovar os contratos de swaps cambiais reversos que irão vencer no dia 2 de abril. A consulta é pró-forma. Na verdade, como os contratos rendem a Selic e esta paga o maior juro real do mundo, os bancos sempre estão interessados em revalidá-los. O estoque total de swaps reversos em poder dos bancos alcança US$ 12 bilhões
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JUROS: há espaço para corte maior (novos indícios)

Recorrentemente, temos batido nesta tecla. É importante insistir - e sempre demonstrar com novas evidências – que os juros básicos estão, ainda, muito elevados e nisso reside uma das principais causas dos desajustes da economia brasileira. Torna-se ainda mais válido retornar ao tema após a divulgação da ata da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária).
O argumento central já foi mostrado outras vezes: o somatório da taxa nominal de juros nos Estados Unidos (5,25% ao ano) com o EMBI Brasil (abaixo de 200 pontos-base) indica que o país pode operar com juros reais de cerca de 7% ao ano, no lugar do presente patamar de 8,5%.
Se os juros reais de equilíbrio giram em torno de 7% e a meta de inflação está fixada em 4,5%, seria possível, sem transtorno para a estabilidade monetária, praticar-se uma taxa Selic de 11,5% ao ano, abaixo, portanto, dos atuais 12,75% ao ano. Em outros termos, há espaço para que os juros voltem a ter corte de 0,5 ponto percentual, sem comprometimento da meta de inflação.

Esse argumento ganha ainda mais sustentação quando o próprio Copom observa que “a despeito da perspectiva de consolidação de um ambiente de menor liquidez global, em virtude dos efeitos dos processos de elevação das taxas de juros nas economias industrializadas, e do recente, e possivelmente temporário, aumento de volatilidade nos mercados globais, o cenário externo continua favorável” (tópico 18 da ata).
O Copom, contudo, não vê a existência de espaço para cortes maiores. Desde janeiro, o comitê alterou o ritmo de queda da Selic de 0,5 p.p. para 0,25 p.p. e, na ata divulgada na última quinta-feira, sentenciou: “os efeitos defasados dos cortes de juros sobre uma demanda agregada que já cresce a taxas robustas se somarão a outros fatores que continuarão contribuindo de maneira importante para a sua expansão. Essas considerações se tornam ainda mais relevantes quando se levam em conta os sinais de demanda aquecida, as pressões sobre a inflação no curto prazo, e o fato de que as decisões de política monetária passarão a ter impactos concentrados no segundo semestre de 2007 e, progressivamente, em 2008” (tópico 22 da ata).
O mercado enxerga espaços para um corte maior. As expectativas para o IPCA, acumulado doze meses à frente, mostram que bancos, consultorias e instituições do mercado financeiro estão vendo uma dinâmica diferente da vista pelo Copom. Quando o ritmo de corte foi alterado, em janeiro, o comportamento das expectativas de inflação inverteu a tendência de alta (que convergia em direção ao centro da meta) e voltou a apontar para baixo (é o que mostram as linhas pontilhadas no gráfico a seguir).
Claramente, há outra orientação na condução da política monetária, cujo propósito não é mais, apenas, o de atingir os 4,5% de inflação. Essa mudança é altamente significativa.
Este desajuste na condução das políticas econômicas gera distorções custosas. Sobretudo para o setor produtivo. No momento, a pior conseqüência é a taxa de câmbio. Há algumas semanas, a RC Consultores usou um modelo econométrico - por nós desenvolvido - para explicar que a continuidade na atual política de juros (cortes de 0,25 p.p.), combinada a um acúmulo de reservas em nível superior a US$ 100 bilhões e somada à tendência de queda do risco-país para 160 pontos-base, empurraria a taxa de câmbio para R$ 1,90 por dólar. Ela poderá atingir este patamar, se nada mudar, até o terceiro trimestre.
Usando este mesmo modelo, se o ritmo de corte da Selic fosse de 0,5 p.p. ao mês desde janeiro - mantidas as premissas com relação às reservas e ao nível de risco-país -, a taxa de câmbio, no terceiro trimestre, estaria projetada em R$ 2,10, próxima ao atual nível.
A taxa de câmbio não está encontrando seu nível de equilíbrio por conta do forte influxo de capitais estrangeiros, que entram via conta financeira do balanço de pagamentos. O investidor estrangeiro continua buscando a remuneração paga por este nível desproporcional de juros. Isto neutraliza o ajuste de câmbio que ocorreria via conta comercial (exportações e importações).
A ata do Copom, entretanto, deixa claro que a tendência para as próximas reuniões do comitê é de manutenção no ritmo de cortes na escala de 0,25 p.p. Neste contexto, muito em breve a taxa de câmbio estará abaixo de R$ 2,00 por dólar.A conseqüência será uma menor aceleração do crescimento da economia, já que os preços dos produtos brasileiros ficam menos competitivos no mercado externo e os juros domésticos enxugam liquidez no mercado interno
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06 março 2007

Onde há e onde não há razão para o ‘pânico’ instalado no mercado financeiro global

* Este artigo foi publicado no SR Journal (www.srjournal.com.br)
Os últimos dias foram muito agitados, com muita tensão nos mercados financeiros globais. A poeira ainda não baixou, mas já há um pouco mais de base para a análise das causas e conseqüências por trás desta recente turbulência.
Há dois grandes atores nesta tensa conjuntura: China e Estados Unidos. Ambos são casos interligados, porém, com suas particularidades. A China foi o estopim da tensão, mas o centro da questão está nos Estados Unidos.
Tudo começou na China, com o anúncio de que o Governo fará um esforço maior para enxugar parte do excesso de liquidez de sua economia, visando aumentar a rigidez das regras para concessão de crédito e melhorar a qualidade dos empréstimos concedidos.
O Governo Chinês transmitiu a seguinte mensagem de que pretende amenizar o atual ritmo de crescimento para estendê-lo por mais tempo. Foi o suficiente para a deflagração de um movimento de “manada”, aumentando a aversão ao risco em todos os mercados.
A China manterá um ritmo ainda forte de crescimento, mesmo com as medidas de contenção de crédito atingindo seu objetivo. O PIB chinês ainda continuará crescendo na faixa de mais de 8% ao ano (ligeiramente abaixo da taxa de 10% ao ano na qual atualmente evolui).
O efeito primário desta expectativa de uma leve desaceleração chinesa atingiu as ações das companhias exportadoras de commodities, uma vez que a China é a principal consumidora de commodities do mercado internacional. A perspectiva de um eventual declínio do seu nível de atividade econômica gerou sensível retração, em escala mundial, do preço das ações de empresas ligadas a exportação destes produtos básicos.
Os investidores, juntamente, aproveitaram a instalação desta conjuntura para correr em direção a uma mega-operação global de realização de lucros. Houve em todas as Bolsas, portanto, um movimento de ajuste de preços dentro um ambiente com grande fartura de liquidez. Trata-se, de um momento de rearranjo da carteira de apostas, apropriando-se antes dos resultados positivos obtidos pelos investimentos realizados durante o longo período de bonança.
É interessante reparar um caráter nesta crise: A cotação do ouro recuou fortemente, a despeito da crise financeira internacional. O preço da commodity despencou 6% em uma semana. Este fato chama a atenção, dando uma cara mais de caráter especulativo do que de crise de confiança à atual crise. Em momentos de crise de confiança, a tendência é que a demanda por ouro cresça, já que este é um ativo de alta liquidez, uma reserva anti-risco. O mercado parece estar precificando uma turbulência e um nível de risco inexistentes há 10 dias. Daqui para frente, não há indícios de que a liquidez terá drástica redução. A China seguirá crescendo em bom ritmo, e mantendo, assim, a demanda global aquecida. Mas no caso de um cenário com menor crescimento chinês, será colocado em pauta outro ponto da conjuntura internacional: a China tem sido a grande financiadora do déficit dos Estados Unidos. Crescendo menos, seu apetite por títulos públicos norte-americanos diminuiria
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