MARCEL PEREIRA

18 outubro 2007

O Legado de 2007

A psicologia define que crises podem ser benéficas ou maléficas, dependendo dos fatores que a formem e das conseqüências que fiquem gravadas no inconsciente. Toda crise é um momento de vulnerabilidade, mas nem toda é uma situação de risco. Há limiares, de caso a caso. Na economia, a diferença é que os efeitos da crise atingem um grupo (a sociedade), ficando mais fácil aprender as lições deixadas. Não existem crises iguais.
Qual lição - ou legado - deixará o ano de 2007, e a “crise do subprime”, para a história econômica?
Os investidores no mercado de capitais auferem ganhos diários em cima das margens de retorno lhes dada pela conjuntura de curto prazo. Propensos sempre ao risco, costumam manter suas atenções nas ameaças imediatas às suas alavancagens. Porém, quando toda a macroeconomia se mexe ao mesmo tempo, é como se o horizonte deixasse de ser linear.
Se há um legado que o ano de 2007 deixará, é o de ratificar a importância dos
riscos de natureza macroeconômica, e de dar ênfase à importância de impulsos econômicos sustentáveis. O Século XXI parecia estar esquecendo tal lição. Quando o Federal Reserve manteve a taxa de juros a 1%, entre 2002 e 2004, sem que houvesse a preocupação com os gastos públicos norte-americanos, inflou uma bolha no mercado de títulos derivados das hipotecas nos EUA. Em 2007, a bolha estourou, afetando todos os mercados.
Quando decidiu, em 18 de setembro, reduzir os juros de 5,25% para 4,75% ao ano, o Fed injetou liquidez na economia. Afastou os riscos de curto prazo e acalmou os mercados. Mas, logo surgiram temores de que a redução nos juros internacionais gerará impulsos desmedidos nas economias emergentes, a exemplo do acontecido em 1998, quando o Fed, em resposta às crises na Ásia (Tigres e Rússia), cortou os juros, inflando as ações de tecnologia, e formando a bolha que estourou em 2000. Será que a história poderia se repetir?
Há uma grande diferença. Em 1998, a economia dos Estados Unidos era muito mais sólida, e as emergentes eram muito mais vulneráveis. O resultado fiscal norte-americano era superavitário em US$ 70 bilhões e hoje é deficitário em US$ 240 bi; o déficit comercial era de US$ 165 bi, hoje é de US$ 730 bi. Sua economia está mais debilitada, ao mesmo tempo em que os mercados emergentes, com volumes maiores de reservas e taxas flutuantes de câmbio, têm maior resistência a choques externos. O Brasil é o melhor exemplo de redução de vulnerabilidade; há dez anos sua divida externa representava 5 vezes as exportações em doze meses, hoje esta proporção é de 1,2 vez. Mas nada disso significa que o risco inexista.
Há ameaças de natureza macroeconômica camufladas por trás desta nova conjuntura global. O nível de atividade mundial será gravemente atingido se houver uma reversão da expansão chinesa, implicando em forte redução nos fluxos comerciais e numa expressiva queda do preço das commodities. O estopim poderia já estar em curso: uma “Bolha Bursátil Chinesa”.A Bolsa de Valores de Xangai viveu nos últimos 21 meses um inchaço alarmante: o índice Shangai SE teve uma valorização de 375% desde o início de 2006. O risco é ainda maior porque a China não tem acompanhamento minucioso e de qualidade de sua “pulsação econômica”. Esta ausência de medidores de “pressão e temperatura” faz com que o risco de desaceleração fique maior. Um eventual derretimento de valor das ações geraria perdas generalizadas, com danos potenciais para a economia global. Que as lições de 2007 sirvam para enxugar as pujanças excessivas.