MARCEL PEREIRA

28 fevereiro 2007

Explicação para a turbulência da terça-feira (27/02)

Chega ao fim um dia de extrema tensão nos mercados financeiros internacionais. O dia já começou com sinais de tensão após o ataque terrorista a uma base norte-americana no Afeganistão, cujo alvo era o vice-presidente dos EUA, Dick Cheney. Uma cereja a mais num ambiente já nervoso pelo acirramento de posições entre a ONU e o Irã, que nos últimas dias gerara novas pressões sobre o preço do petróleo.

O gatilho da tensão, entretanto, foi disparado ainda mais ao Oriente. Na China, o anúncio de que o Governo fará um esforço maior para enxugar parte do excesso de liquidez em sua economia, aumentando a rigidez das regras para concessão de crédito, de forma a melhorar a qualidade dos empréstimos concedidos, provocou uma forte evasão de capitais na Bolsa de Shangai. A mensagem que o governo chinês está transmitindo com este anúncio é a de que pretende amenizar seu atual ritmo de crescimento para estendê-lo por mais tempo.

Todo este movimento de "euforia" e aversão a risco ocorre porque a China é a grande estrela na demanda por commodities no mercado internacional. A perspectiva de uma eventual queda de seu ritmo de crescimento econômico - com o menor volume de crédito no país gerando contenção de investimentos - gerou a forte retração, em escala mundial, das ações dependentes das empresas exportadoras de commodities.

A possibilidade de um cenário de maior risco, fez com que os investidores corressem para realizar uma mega-operação global de realização de lucros.

As consequências finais só poderão ser realmente avaliadas dentro de um ou dois dias. Porém, a conjuntura internacional sugere que toda esta turbulência, ainda que forte, seja passageira. Amanhã voltaremos ao assunto, com um pouco mais de molho.

PIB do Brasil é, de novo, lanterninha na América Latina

Matéria publicada na Gazeta Mercantil (segunda-feira, 27 de fev de 2007)
O tamanho do Estado, com ênfase no déficit progressivo da Previdência Social, é apontado por analistas como o principal fator para que a economia brasileira figure, há anos, entre os piores resultados de expansão e o País não consiga aproveitar na sua potencialidade um dos períodos mais longos de benesse no cenário mundial. Não se compara aqui nem mesmo com os países asiáticos, mas com os próprios vizinhos como a Venezuela, com crescimento projetado de 10%, ou ainda com Peru e Uruguai, cujas estimativas de expansão são de 7,2% e 7,3%, respectivamente (veja tabela ao lado), de acordo com relatório da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).
Ricardo Amorim, diretor-executivo para mercados emergentes e América Latina do banco WestLB, lembra que enquanto os gastos, na média, dos países latino-americanos com previdência social do setor público são de 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), no Brasil, esse percentual chega a 8% - destinados a pagar 1,2 milhão de aposentados. "É claro que esse não é o único motivo da menor expansão da economia brasileira, mas é disparado o maior problema", afirma.
Marcel Pereira, economista-chefe da RC Consultores, complementa sustentando que o sistema atual é insolvente e não há programa ou disposição do governo para resolver essa escalada crescente do déficit. "Temos que repetir esse mantra, pois a resolução deste problema é a base que pode fazer com que sobre mais recursos para investimentos em infra-estrutura e educação, por exemplo", ressalta Pereira. O economista da RC Consultores ressalta ainda que o pouco de crescimento que o Brasil vem obtendo deve-se a dois fatores. O primeiro é aos bons ventos da economia mundial, que vem carregando as economias que estão "mais azeitadas", ou seja, que fizeram suas reformas estruturais. É justamente aí, diz Pereira, que o Brasil perde outra oportunidade, pois não terminou seu processo de ajuste. "Temos estabilidade da moeda, superávit primário, contenção dos déficits de estatais, estados e municípios, mas ainda falta ajustar a esfera federal". Pereira reconhece que o perfil de gasto assistencialista sustenta a classe de mais baixa renda, que usa os recursos para sobreviver, mas ressalta que a estrutura atual faz com que não sobre recursos para investimentos públicos. "E não há crescimento sem um nível maior de investimentos do que os cerca de 20% do PIB atuais", sentencia.

12 fevereiro 2007

Banco Central paga caro ...

* coluna de Luiz Sérgio Guimarães (Valor Econômico, 12/02/07)
Tudo o que o Banco Central quiser comprar de dólar o mercado estará disposto a vender. Isso porque o BC está pagando pela moeda americana mais do que os tesoureiros acreditam que ela valha. Após quatro dias abaixo de R$ 2,10, o dólar fechou sexta-feira a R$ 2,1090, com valorização de 0,71%, graças a pesada atuação do BC.
Para mostrar que não errou a mão monetária quando, no dia 24 de janeiro, cortou pela metade a velocidade de queda da Selic, o BC abandonou explicitamente o objetivo formal de suas intervenções cambiais. Ele não está mais comprando dólar com a finalidade exclusiva de "recompor as reservas cambiais". Até porque as reservas - já em US$ 93,4 bilhões - estão em patamar historicamente alto, que não precisa ser recomposto . Os leilões de compra de dólar desfechados por ele nos três últimos dias da semana passada tiveram o claro objetivo de puxar a cotação de dólar para cima. Na sexta-feira, ao aceitar 13 propostas pela taxa de corte de R$ 2,1020 e retirar do sistema cerca de US$ 600 milhões, ele conseguiu alcançar a meta de trazer de volta o dólar para cima da linha psicológica dos R$ 2,10, depois que a moeda afundou a R$ 2,0860 na terça-feira.
Para alegria do mercado: se o dólar vale R$ 1,90, é um excelente negócio vendê-lo ao BC por R$ 2,1020. A demonstração de força visa adicionalmente reconfirmar a tese do BC de que, se o dólar cai, é porque está entrando muito fluxo via balança comercial. Se o dólar à vista estivesse cedendo por causa das operações com a moeda fechadas nos mercados futuros - tese defendida na quinta-feira pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para rechaçar a necessidade de um controle de capitais - as compras do BC não teriam efeito algum.
Visando ampliar ainda mais seu poder de fogo e atuar também no mercado futuro, o BC agora se prepara para voltar com os "swaps reversos". Hoje, ele faz uma pesquisa no mercado para saber a real demanda pelo instrumento.
Mas, o dólar vale R$ 1,90? Qual o preço correto e real para a moeda americana nas condições atuais da economia brasileira? Esta é a pergunta que assanha hoje o mercado financeiro pois a sua resposta vale um milhão de dólares. Quando os tesoureiros rodam os seus modelos econométricos chegam à conclusão que, em breve, o dólar estará entre R$ 1,80 e R$ 1,90. Só que, para o mercado e suas operações destinadas a maximizar aqui e agora os lucros, o futuro é hoje. E os investidores tendem a buscar o preço já.
Os modelos levam em consideração, como variáveis-chave, os juros básicos, o risco-país e o volume de reservas internacionais. A peça que movimenta todo o jogo é a Selic. Se o Copom insistir, como sinalizou, no ritmo mais conservador de corte da taxa básica - de 0,25 ponto por reunião - logo o risco-país descerá a 160 pontos-base e as reservas chegarão a US$ 100 bilhões. Nessas condições, para que o dólar não bata logo nos R$ 1,90, o BC terá de comprar dólar em quantidade muito maior do que vem fazendo. A armadilha no qual o BC se colocou com a diminuição da velocidade de queda da Selic consiste no fato de que, quanto mais reservas juntar, mais baixos serão o risco-país e o dólar. Em algum momento, a coisa estoura.
O economista-chefe da RC Consultores, Marcel Pereira, diz que o fracasso do pacote cambial anunciado pela Fazenda no ano passado não é difícil de ser explicado e entendido. "O forte fluxo das exportações brasileiras - motivado pela acentuada elevação dos preços das commodities - não foi o único fator responsável pela valorização do câmbio. Com a queda abrupta do risco-país, a taxa de juros de equilíbrio reduziu-se rapidamente, porém, essa redução não foi acompanhada por um correspondente declínio da taxa Selic", diz Pereira. Faltou a Fazenda combinar com o BC.
Uma rápida conta feita por Pereira mostra isso. Atualmente, com uma taxa nominal de juros nos EUA de 5,25% ao ano, ao lado de um EMBI Brasil em torno de 180 pontos-base, existe espaço para que o país opere com juros reais de cerca de 7% ao ano. "Isto implica dizer que, com juros reais de equilíbrio de 7% e uma meta de inflação de 4,5%, seria possível, neste momento, praticar-se uma Selic de 11,5% ao ano, sem qualquer transtorno para a estabilidade monetária", diz o economista.
Resta saber se os cinco integrantes do Copom que, no dia 24 de janeiro, votaram pelo freio monetário terão a independência e a autonomia necessárias para reconhecer o erro e repará-lo no dia 7 de março (próximo Copom) por meio de uma queda de 0,75 ponto da Selic, capaz, pelo menos, de restituir a velocidade anterior. É claro que a confissão do erro presume a existência de uma vontade original em acertar. E talvez o BC tenha acertado. O cenário de dólar a R$ 1,90 terá de ser checado esta semana. O dado básico que o sustenta e que torna distorcida a política monetária brasileira é o viés de baixa posto ao juro americano pelo Federal Reserve (Fed) em sua última reunião, realizada no dia 31 de janeiro. O presidente do Fed, Ben Bernanke, dará um depoimento ao Congresso na quarta-feira e deve voltar ao tema.

01 fevereiro 2007

Os investimentos em infra-estrutura e a busca pela aceleração do desenvolvimento

* este artigo será publicado na edição de fevereiro da Revista Brazilian Business
O PAC objetiva trazer a taxa de crescimento do país para o patamar de 5%. Há, nele, uma questão de suprema implicação política, pois, com ele, determinou-se qual régua mensurará o tamanho do êxito do segundo mandato do Presidente Lula.
Se bem sucedido, o PAC ensejará avanço do PIB, nos próximos 4 anos, em R$ 240 bilhões adicionais ao que o País cresceria no ritmo atual. Quer dizer: cada brasileiro terá direito a 13 parcelas de R$ 100 a mais em sua renda - todos os meses mais um - permanentemente. Isso é muito mais do que qualquer Bolsa-Família. Como as condições do cenário internacional continuam excepcionalmente favoráveis, politicamente, é vencer ou vencer.
Os meios para o alcance dos objetivos propostos são: (1) incentivar o investimento privado, (2) aumentar o investimento público em infra-estrutura e (3) remover obstáculos burocráticos, normativos e jurídicos ao crescimento.
O mais relevante a se observar em relação às metas a serem alcançadas nas medidas, é que o Governo Federal tentou alcançar estas mesmas metas na Gestão 2003-2006, através das Parcerias Público-Privadas (PPPs), e conseguiu evoluir muito pouco.
Seria bastante útil se refletir os porquês dos resultados insuficientes das PPPs. A maior razão dessa incapacidade de se promover a aceleração do crescimento está nos desarranjos macroeconômicos do País. As contas públicas seguem desajustadas, apesar de toda as conquistas dos últimos 10 anos. Os estados e municípios, assim como as estatais, já não pressionam mais o déficit público; porém, o déficit do governo federal segue crescendo em escala exponencial. Há vários vilões nessa escalada, impondo uma série de gastos supérfluos à escala federal. O maior de todos é a Previdência Social, que há anos está completamente insolvente, sendo sustentada pelo Governo Federal.
Sem um ajuste nas contas públicas, não há viabilidade para a sustentação de uma expressiva redução de carga tributária, condição sine qua non para o sucesso de qualquer tentativa de aceleração da taxa de crescimento econômico.
A principal questão relativa é: como viabilizar uma expansão de investimentos públicos sem comprometer a estabilidade fiscal? O PAC afirma ser viável eliminar certos gargalos, reduzir custos e aumentar a produtividade sem ameaças à meta de superávit primário. O meio proposto é via Empresas Estatais. Ele propõe investimentos de R$ 503,9 bilhões entre 2007 e 2010, destes R$ 436,1 bi via estatais - sobretudo da Petrobrás e da Eletrobrás -; os outros R$ 67,8 bi seriam originados no orçamento fiscal, sendo R$ 52,5 bi via PPI (Projeto Piloto de Investimentos), cujos gastos não entram na conta do superávit primário.
Há, aí, entretanto, um problema de diagnóstico. Um programa de aceleração de crescimento precisa dinamizar o setor privado, cujos efeitos catalisadores são muito maiores. Isso se faz pela balização das expectativas do investidor privado. O Governo afirmou no PAC que será ele próprio que gerará 76% dos investimentos. A leitura disso é: “em algum momento alguém pagará essa conta”. Quem será?
A não sinalização de reformas efetivamente estruturais não gera impacto positivo sobre as expectativas dos investidores privados. Isso gera o risco de um efeito invertido, podendo fazer o resultado final, ao invés de positivo, ser negativo.
Outro ponto relevante são as medidas fiscais de longo prazo propostas. O cerne da proposta é utilizar a indexação dos salários do setor público como ferramenta de controle das despesas de pessoal da União. Isso é um retrocesso. Uma tentativa fútil de evitar assumir a responsabilidade de aplicar uma “mão firme” sobre os gastos públicos. Para concluir o ajuste macroeconômico, o Brasil deveria concluir o processo de desindexação, herança nefasta de tempos hiperinflacionários, jamais pensar em uma reindexação.
O PAC, no seu âmago, é um conjunto de boas intenções, mas ainda aquém da escala necessária para se retomar um crescimento acelerado. O programa prevê um crescimento econômico de 4,5% em 2007 e de 5% nos três anos subseqüentes. O Programa é “tímido” frente a tamanho desafio.
Em que sentido a promessa de investir R$ 50 bilhões pode ser considerada falha ou tímida? Porque, de fato, há um erro central de diagnóstico no PAC. É um equívoco conceitual, até compreensível e consertável, mas que depende de um absoluto entendimento prévio e reconhecimento tempestivo da falha. A moderna teoria macroeconômica aponta o erro nas expectativas dos agentes econômicos – os tomadores de decisão privados – que julgam, corretamente, que os anunciados aumentos de gastos – embora sendo de investimentos – representarão aumento de carga tributária e do custo financeiro (juros) para financiar o esforço do governo. Poderão pensar eles: é importante agarrar-se na própria liquidez, investindo menos e incorrendo em menos riscos e compromissos.
A situação é potencialmente grave pelo seguinte: pela lógica oficial, se o governo investir mais, o país correrá atrás e investirá também. É a lógica Keynesiana, elaborada para um outro tipo de situação, como o da Grande Depressão nos anos 30, com armadilha de liquidez, juros baixos, crise financeira e crise de comércio. Nada disso ocorre agora. O enfrentamento, aqui, é outro: juro altíssimo, imposto sufocante, câmbio desfavorável e oportunidades ótimas fora do Brasil.O diagnóstico alternativo segue delineado e não há como se fugir dele: atacar o centro da questão, que é o próprio governo, seu alto padrão de imposto e gasto, e o alarmante custo financeiro de sua dívida pública
.