MARCEL PEREIRA

19 setembro 2007

Com a redução de juro nos EUA, o mercado ficará menos volátil

Se o mercado internacional ainda sinalizava alguma insegurança com relação ao futuro da saúde econômica global, o Federal Reserve deu, esta semana, um sinal explícito de segurança, confiança e ousadia. Cortou a taxa dos Fed Funds em 0,50 ponto percentual, reduzindo-a para 4,75% ao ano.
A certeza da injeção de liquidez teve um poder tranqüilizador imediato, os mercados reagiram eufóricos, com altas recordes nas bolsas de valores.
A decisão de realizar um corte mais ousado estava longe de ser uma unanimidade entre os policymakers. Pairam, neste momento, duas ameaças explícitas sobre a taxa de inflação norte-americana: a alta do preço internacional do petróleo (que superou os US$ 80 por barril) e a persistente desvalorização do dólar frente ao euro e ao iene (a cotação frente à moeda européia oscila em patamar recorde, em torno de US$ 1,40 por euro).
Na balança da decisão do Fed, entretanto, pesou mais a preocupação com os efeitos que os prejuízos causados pelo desencadeamento da “crise do subprime” terão sobre o nível de atividade e a taxa de desemprego. Apesar das ameaças aos preços domésticos, a autoridade monetária norte-americana zelou pelo emprego e pela renda, mostrando-se disposta a eliminar o risco de um período recessivo.
Com a inflação relativamente bem comportada e com a taxa de desemprego “assentada” nas proximidades de 4,5%, o mercado assimilou bem a idéia de um corte acentuado da taxa de juros, não dando ainda sinais de estar enxergando riscos substanciais à estabilidade econômica dos Estados Unidos.
Passada a euforia desta semana nas bolsas de valores, a conjuntura pós-corte de juros, entretanto, tende a ser a mesma, sujeita ainda a intensas volatilidades. Merecerá uma especial atenção a divulgação dos próximos balanços financeiros de bancos e fundos de investimento. A constatação de grandes perdas ainda poderá voltar a provocar movimentos mais bruscos na cotação das ações e do câmbio.
Mas a corajosa e ousada posição do Federal Reserve trará mais alento e menos aversão a risco aos mercados. O cenário econômico persistirá com um viés positivo. Se ainda há riscos de volatilidades intensas, esta ameaça é menor, dada a “mão firme” com a qual o Banco Central dos EUA sinaliza que atuará. Com a redução dos juros para 4,75%, a variância das cotações nos momentos mais voláteis tenderá a ser menor, refletindo a volta de uma maior propensão a risco.
O mercado brasileiro, que se destacou dentre os emergentes pela força com a qual resistiu a este momento de forte instabilidade da economia global, é um dos que mais se beneficiará com isso. Esta tendência só vem a se intensificar, à medida que o Brasil dá passos sólidos para a obtenção do investment grade, possivelmente já em 2008.

17 setembro 2007

Alan Greenspan vs Paul Volcker

1.Quem foi o melhor administrador de crises, Volcker ou Greenspan? Por quê?
A realidades econômicas com as quais se depararam Volcker e Greenspan à frente do Federal Reserve foram bastante distintas. Ambos lidaram com crises, mas em escalas bastante distintas.
Os desafios com os quais se deparou Volcker eram mais inóspitos do ponto de vista monetário. A economia mundial viveu um momento de liquidez extremamente escassa após a 2ª Crise do Petróleo (1979) e Paul Volcker, além do mais, teve que lidar com uma ataque especulativo contra o dólar. Ele não tinha muitas outras opções a não ser fazer o que fez (elevar os juros norte-americanos para 17% em 1980), sabendo que, ainda mais numa conjuntura de baixa liquidez, isto representaria uma recessão, e teria um óbvio custo político.
Alan Greenspan se deparou com outra realidade na economia internacional, ao invés da liquidez ser escassa, era abundante. Ele enfrentou as Crises Emergentes do período 1995-1999, mas seu maior desafio foi enfrentar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Para evitar a recessão, reduziu os juros de 6% para 1% em 2002 e, assim, conseguiu manter os "sinais vitais" do paciente (os EUA). Recuperada a economia, impôs o gradualismo na condução dos juros para evitar efeitos recessivos de uma elevação abrupta.
Ambos foram habilidosíssimos em "farejar" e sentir a pulsação da economia. Na minha opinião, a conjuntura que Volcker enfrentou era mais difícil do que a enfrentada por Greenspan. Entretanto, exatamente por ser um cenário mais "duro", Volcker não tinha muitas alternativas na execução da política econômica, executou a que tinha à disposição. Greenspan tinha mais opções de cartadas a dar, e foi extremamente feliz naquelas que deu. Por isso, na minha opinião, por ter acertado em um leque mais amplo de opções, Greenspan foi o maior administrador de crises da história.
2. Quem foi o melhor presidente do Federal Reserve entre os dois? Por quê?
Ambos foram, acima de tudo, duas grandes lideranças. A capaciade de ambos de "domar" o mercado foi impressionante. Muita lucidez, que gerava confiança nas suas figuras, e, assim, fazia brotar, naturalmente, a autoridade de ambos sobre os agentes econômicos. Greenspan executou uma liderança que transparecia ações de alguém fortemente convicto e ao mesmo tempo bastante flexível. Ele, na minha opinião, foi um líder, na essência da palavra, maior do que Volcker. Entretanto, quem teve decisões mais extremamente difíceis a tomar e não vacilou foi Paul Volcker. Titubear, naquele momento, poderia ter mudado completamente todo o rumo da história, mas ele foi firme, seguro e convicto, demostrando devoção às suas convicções técnicas nas suas decisões econômicas. E a história ratificou seu acerto. Por isso, para mim, embora Greenspan tenha sido maior e melhor líder, foi Volcker o maior presidente do Federal Reserve.

10 setembro 2007

Redução de Juro nos EUA acalmará o mercado

Ainda inseguro com relação ao futuro da saúde econômica norte-americana, por conta dos prejuízos causados pelo desencadeamento da “crise do subprime”, o mercado internacional vem reagindo com truculência à divulgação de indicadores cujos resultados fiquem aquém do esperado.
Só a certeza de haver uma injeção de liquidez via redução da taxa de juros teria um poder tranqüilizador neste momento. Por isso, as especulações quanto à decisão que será tomada na próxima reunião do Federal Reserve estão esquentando: as apostas variam entre um corte de 0,25 e de 0,50 ponto percentual sobre os Fed Funds, hoje em 5,25% ao ano.
Com a inflação relativamente bem comportada e com a taxa de desemprego “assentada” nas proximidades de 4,5%, o mercado parece assimilar bem a idéia de um corte moderado, sem risco para a estabilidade econômica (veja a seguir os gráficos comparativos entre a taxa de juros e as taxas de desemprego e inflação).

Gráfico 1 – Estados Unido: Taxa de Juros (ao ano) vs Taxa de Desemprego


Gráfico 2 – Estados Unidos: Taxa de Juros (ao ano) vs Inflação acumulada em 12 meses


Ainda sobre CRISES & RISCOS

Um trecho do artigo da jornalista Cristiane Lucchesi, publicado no Valor Econômico desta segunda-feira (10/09), sintetisa e complementa perfeitamente o argumento que defendi no artigo "O Risco da Bolha Chinesa"
Eis o trecho ao qual me refiro: "Apesar de as bolsas de valores em todo o mundo terem se recuperado, a crise de liquidez nos mercados de crédito dos Estados Unidos e Europa é "muito séria". Essa é a visão do inglês John Calverley, economista chefe e estrategista do American Express Bank. Para ele, se a situação não se normalizar nas próximas semanas, há um risco real de que os gastos das empresas e suas decisões de investimentos sejam afetadas, com forte impacto no crescimento econômico no mundo todo, inclusive nos mercados emergentes. Ele não vê esse cenário como o mais provável, no entanto, pois espera atitudes coordenadas das autoridades monetárias, dos governos e dos bancos de investimento para trazer de volta "a vontade de emprestar". Segundo Calverley, a crise de inadimplência nas hipotecas de alto risco nos Estados Unidos já teve um efeito sistêmico, atingindo o mundo todo e chegando a provocar a intervenção em dois bancos alemães. "É necessário ficar claro ao mercado que as perdas com a crise são gerenciáveis e que nenhuma outra instituição financeira está em perigo", afirma. Por isso, as tensões devem continuar pelo menos até o dia 20 deste mês, quando começam a vir a público os balanços dos maiores bancos em todo o mundo".

04 setembro 2007

O RISCO DA BOLHA CHINESA

* artigo publicado no Valor Econômico de 5 de setembro de 2007
A instabilidade no mercado financeiro persiste. Já esperávamos que assim fosse. Destacamos tal risco desde o primeiro semestre, quando emergiram os primeiros sinais de deflagração da crise de liquidez das hipotecas nos EUA. Havia um sinal explícito de que, embora ainda não se tratasse de uma reversão no quadro global de farta liquidez, estava instalada uma conjuntura na qual persistiria uma volatilidade mais freqüente, com maior aversão a risco e movimentos especulativos mais intensos.
A crise financeira desencadeada pelo surto de inadimplência que atingiu o mercado imobiliário de risco norte-americano é diferente das crises anteriores, pois no desenrolar daquelas outras sempre havia uma moeda local como alvo de um ataque especulativo. Nesta crise, inexiste um alvo. A aversão a risco atingiu não só os títulos derivados das hipotecas norte-americanas mais sensíveis à inadimplência, mas todos os derivativos dos fundos alavancados, dentre os quais muitos em posse de europeus e de uma expressiva parte de investidores chineses. Um “efeito manada” de resgates nos fundos de investimento comprometeu muitas carteiras de ativos, levando a uma retração no volume de crédito e, por conseqüência, a uma conjuntura na qual passou a prevalecer uma menor liquidez.
Apesar disso, o caráter da crise é essencialmente financeiro, com características de ajuste, cujos efeitos, por enquanto, ainda são pontuais sobre a atividade econômica. O maior perigo é a crise desencadear efeitos deletérios sobre o nível de produção e emprego, não apenas da economia norte-americana, européia e japonesa, mas, sobretudo, na chinesa.
O nível de atividade mundial poderá ser gravemente atingido se a crise contagiar de forma substancial a economia da China. Uma desaceleração mais forte da economia chinesa implicará em preocupante redução nos fluxos comerciais globais e na queda do preço das commodities minerais. Isso afetaria diretamente o fluxo comercial brasileiro e, por conseguinte, teria uma intensidade muito mais aguda sobre a taxa de câmbio do país.
Em resumo, pode-se dizer que, até o momento, há dois fatores preocupantes neste cenário: as incertezas, por conta da crise, não terem um alvo específico, e a possibilidade de novos e mais expressivos resultados negativos nos fundos alavancados em derivativos de hipotecas norte-americanas.
Emergiu uma conjuntura macroeconômica inteiramente nova, similar, na herpetologia, a uma troca de pele. Ou seja, um processo que elimina alguns parasitas, mas durante o qual se fica mais vulnerável àqueles predadores delicadamente bem camuflados ao campo de visão da presa, cujo ataque pode vir a ser fatal.
Eis que se pode avistar agora, em águas turvas, uma silhueta daquilo que pode vir a ser um predador perigoso, cujo ataque poderia deflagrar uma grande recessão, e em escala global. Sob a sombra de uma conjuntura nebulosa em riscos e incertezas novos, a ameaça que cresce sorrateira e com potencial de estragos exponencialmente superior à “Crise do Subprime” é a “Bolha Bursátil Chinesa”.
Como resultado da nova conjuntura - “pós-deflagração da crise” - TODAS as bolsas de valores depararam-se com um certo derretimento do valor de seus papéis; as norte-americanas, as européias, a japonesa, e todos os satélites destas. MENOS UMA, que passou quase que totalmente livre de turbulências nessas últimas semanas: a chinesa.
A Bolsa de Valores de Xangai viveu nos últimos 20 meses um inchaço que, por si só, já era alarmante. Após o estouro da bolha imobiliária norte-americana, a valorização observada dos índices Shangai Composite e Shangai SE só fez inflar.
Apostando na pujança econômica da China, cuja atividade avança entre 11% e 12% ao ano, e sem perspectiva de rentabilidade em outros mercados, os investidores têm demandado fortemente as ações de Xangai.
O índice Shangai SE, da Bolsa da China, teve uma valorização de 224% nos últimos 12 meses. Só nos oito primeiros meses de 2007, a variação acumulada já é de quase 100%.
Alguns pequenos detalhes dimensionam a proporção do que poderia representar hoje um “estouro de bolha” na Bolsa de Xangai. Há certas semelhanças entre a economia da China deste início de século XXI e a economia dos EUA nos anos de 1920, antecedentes à grande recessão, que explodiu após o crash da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.
O sistema financeiro chinês não está se modernizando ao mesmo ritmo da economia do país. Há uma grande quantidade de créditos de alto risco concedidos para o financiamento da atividade econômica, e, ao mesmo tempo, há uma crescente especulação imobiliária, facilitada pela forte expansão do capital chinês.
O risco fica ainda maior quando se sabe que a China não tem um monitoramento econômico de qualidade. Diferentemente dos Estados Unidos, não há um acompanhamento minucioso da “pulsação econômica” chinesa. Esta ausência de medidores de “pressão e temperatura” faz com que o risco de desaceleração seja ainda maior. É como numa “navegação sem aparelhos”....
A expansão desenfreada do crédito, movida pelas sucessivas expansões de capital, é historicamente um dos fatores centrais a impulsionar um boom econômico. Entretanto, assim como infla, desinfla: a “Crise do Subprime” é um perfeito exemplo. A expansão monetária via crédito na China é muito mais pujante do que a derivada das hipotecas norte-americanas. Tratando-se de comparações frente aos EUA, o nível de crédito chinês, atualmente, é superior ao vivido pelos EUA nos anos 20. E as comparações entre estes dois períodos históricos não param por aí.
No período que antecedeu ao crash de 1929, a Inglaterra era a superpotência mundial e os EUA a potência emergente, papéis que hoje podem ser vistos nos Estados Unidos e na China. Nos anos 20, o Império Britânico dava sinais de decadência e, pelo “entre-Guerras”, vivia uma situação de déficits gêmeos acentuado, assim como ocorre atualmente nos EUA. Este quadro forçou a Inglaterra - e força os EUA - a ser um devedor líquido, financiado pelo resto do mundo. Nos anos 20, os EUA eram o principal financiador das contas do Império Britânico; hoje, a China é a grande financiadora das contas externas norte-americanas. Em ambas as circunstâncias, a potência emergente vivia grandes superávits, tendo condições de ser um credor líquido. Quando o mundo forçou uma repatriação do capital, em função do auge da crise, a economia britânica entrou em colapso. Poderiam EUA e China repetir esse fato?
As lições deixadas pela história talvez sejam capazes de impedir um evento das mesmas proporções: a débâcle da economia norte-americana após o crash da Bolsa de Nova Iorque em 1929 fez o nível de atividade recuar 66,6% e gerou uma deflação nos preços ao consumidor de 29,3%, acumulados num intervalo de apenas quatro anos (1930-1933).
É muitíssimo pouco provável que um eventual estouro na “Bolha de Xangai” seja capaz de causar uma tragédia nestas proporções. Entretanto, descartar a hipótese “apocalíptica” não significa ignorar os danos potenciais para a economia global: total reversão na pujança de liquidez, queda abrupta do preço das commodities, sobretudo as minerais, e crescente protecionismo comercial. Neste caso extremo, não há blindagem que resista.