Há saída para a armadilha de câmbio na qual o Brasil está metido
* artigo publicado nos sites Via Política (www.viapolitica.com.br) e SR Journal (www.srjournal.com.br)
Os preços internos e a taxa de juros são quem dão o sinal sobre a confiança na moeda nacional. A atual conjuntura - produzida por um erro de diagnósticos dos responsáveis pela condução da política econômica - força o Banco Central a comprar moedas estrangeiras. Uma dinâmica que retroalimenta a valorização do real. A principal razão está associada ao padrão político de governo, que mantém juros altos para dar legitimidade a um déficit fiscal ainda persistente. Assim, o Banco Central trabalha com um juro que suporta o desequilíbrio fiscal de modo não inflacionário, através de uma taxa elevadíssima, capaz de: (a) atrair capitais de fora, especulativamente; (b) conter o gasto total, e do setor privado em especial (abrindo espaço para o gasto público); e (c) criando um colchão de oferta de produtos, ao câmbio valorizado, que previnem elevações dos preços internos. É assim que se consegue estabilidade de preços, mesmo se gastando acima das possibilidades orçamentárias do Brasil. Essa solução inibe o ritmo da produção nacional privada. Há um risco político aí embutido, pois esta equação pode estender sua “sustentabilidade” enquanto houver uma demanda internacional crescente por bens, serviços e até pela moeda brasileira. Manter este desequilíbrio é uma condução imprudente, ainda que o Brasil tenha diminuído sua vulnerabilidade externa, reduzindo as proporções dívida/PIB e dívida externa/exportações, passando a ter um resultado de balanço de pagamentos - saldo entre os fluxos comerciais, financeiros e de rendas - superavitário, e eliminando os passivos internos em dólar. O risco cambial existe, apesar de todas essas vantagens. O forte fluxo das exportações brasileiras (motivado, sobretudo, pela acentuada elevação dos preços internacionais das commodities) não é o único fator responsável pela valorização da taxa de câmbio. A taxa de câmbio não está encontrando seu nível de equilíbrio por conta do forte influxo de capitais estrangeiros, que entram via conta financeira do balanço de pagamentos. O investidor estrangeiro continua buscando a remuneração paga por este nível desproporcional de juros. Isto neutraliza o ajuste de câmbio que ocorreria via conta comercial (exportações e importações). Com a queda abrupta do risco-país, a taxa de juros de equilíbrio reduziu-se rapidamente, e essa redução não foi acompanhada por um correspondente declínio da taxa básica de juros praticada domesticamente (Selic). Empiricamente, pode-se ver como os juros básicos estão mais elevados do que o nível de equilíbrio; nisso reside uma das principais causas dos desajustes da economia brasileira. O somatório da taxa nominal de juros nos Estados Unidos (5,25% ao ano) com o EMBI Brasil (Emerging Markets Bond Index), abaixo de 175 pontos-base, indica que o país pode operar com juros reais de cerca de 7% ao ano, no lugar do presente patamar de 8,5%. Com juros reais de equilíbrio girando em torno de 7%, e com uma meta de inflação fixada em 4,5%, seria possível, sem transtorno para a estabilidade monetária, praticar-se uma taxa Selic de 11,5% ao ano. Em outros termos, há espaço para que os juros voltem a ter corte de 0,5 ponto percentual, sem comprometimento da meta de inflação. Com base em um modelo econométrico de câmbio, desenvolvido pela RC Consultores, fez-se um exercício sobre a evolução da taxa, buscando-se identificar as relações entre o câmbio e as chamadas variáveis de “controle” (juros internos, intervenções do Bacen via compra/venda de reservas, colocação de bônus no exterior e percepção externa de risco). Concluiu-se que a continuidade da atual política de juros (cortes de 0,25%), combinada à manutenção das reservas em US$ 110 bilhões e à manutenção do risco-país em 160 pontos-base, levará a taxa de câmbio a convergir para R$ 1,90 por dólar até o terceiro trimestre. Quando a condução da política de juros é excessivamente conservadora, a valorização cambial esperada sempre aumenta se o corte de juros do Copom é inferior ao projetado pelo mercado, porque o investidor estrangeiro que está no Brasil passa a estimar uma valorização cambial que lhe corresponderá a um ganho extra, o qual se agregará ao ganho financeiro direto embutido na operação. Nos últimos anos, houve determinados momentos nos quais a remuneração do investidor chegou a ser até seis vezes maior do que o custo de oportunidade embutido na operação (juro real de equilíbrio, em reais). Logo, sobram evidências de que o centro da distorção cambial é a taxa de juros, assim como sobram exemplos de que há margem para correção. A questão, entretanto, é como corrigir? Em que dose? Como se pode ajustar essa distorção sem comprometer as expectativas do mercado? Um ajuste abrupto (por exemplo: corte de 1,0 ponto percentual, ou mais, na Selic, em uma só reunião do Copom) poderia levar à descrença do mercado em relação à manutenção dos fundamentos da economia. O tiro poderia sair pela culatra. A saída clássica seria através de um aperto no torniquete fiscal. Sem tanta pressão do gasto público sobre a demanda, não seria mais necessário manter juros anormalmente elevados para equilibrar preços. Seria, por exemplo, a estratégia do “déficit nominal zero”, cuja eficiência é mais do que testada e comprovada em vários países. Há outras estratégias que também teriam efeito positivo. A liberalização nas regras de conversão cambial pelos exportadores, ainda mais aprofundada do que a já feita no fim de 2006. A retenção de dólares pelos exportadores poderia passar a 50% imediatamente e, gradualmente, até 100%. Outra iniciativa seria a criação de uma lei que obrigasse a permanência por um tempo mais longo do capital estrangeiro aqui investido. Uma terceira seria a criação de um mercado offshore, através de uma legislação diferenciada, dentro do Brasil. Expressivos resultados também adviriam de uma significativa redução do recolhimento compulsório sobre depósitos à vista. Tal redução poderia começar pela flexibilização imediata desse percentual, quando da sua aplicação em créditos em regiões mais carentes de irrigação financeira. Jogaria liquidez na economia, impulsionaria de forma mais expressiva o mercado de crédito, e abriria mais espaço para uma redução da taxa de juros praticada. Todas essas opções passam por se estabelecer como critério essencial à equalização do tratamento tributário entre investidores locais e estrangeiros. Equacionando esses gargalos, desatar-se-ia o nó do desequilíbrio entre câmbio e juros, levando o nível do real a um patamar mais competitivo para o setor produtivo.