MARCEL PEREIRA

13 setembro 2006

Juros altos ou inflação alta? O que concentra mais a renda?

É inegável que a condução de uma política de juros altos não favorece a desconcentração de renda. Os serviços financeiros remunerados pela taxa básica são de “acesso restrito” à faixa superior de renda da sociedade, enquanto que a grande maioria das pessoas não tem recursos disponíveis para usufruir desse benefício.
Entretanto, as evidências indicam que elevadas taxas de inflação são mais concentradoras de renda do que os juros altos.
Quando há inflação elevada, estão disponíveis para aqueles que têm acesso ao mercado bancário várias ferramentas de correção monetária. Porém, para aqueles que estão excluído desse mercado, a deterioração do poder de compra é inevitável.
Nos tempos de hiperinflação, todos os que não tinham condições de abrir contas em banco percebiam que seu dinheiro perdia valor de compra de um dia para outro. No final do mês, os produtos estavam 30%, 40%, 50% mais caros, mas a renda recebida no início do mês mantinha-se “congelada”. Rigorosamente, “sobrava cada vez mais mês no final do dinheiro”.
No mundo empresarial, a inflação impunha também uma lógica cruel e concentadora de renda. Sua elevação gerava efeitos perversos sobre a dívida pública, o que levava os bancos, por sua vez, a promover uma captação passiva de recursos para o financiamento dessa dívida. Nesse ambiente, os recursos para crédito tornavam-se escassos, o que penalizava duramente o fomento às micro e pequenas empresas.
No período de descontrole de preços, houve maior concentração de renda do que no período pós-Real, no qual prevaleceram juros altos, mas estabilidade de preços. Isto é visível no coeficiente de Gini, índice utilizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir a proporção entre a renda dos mais ricos e a dos mais pobres. Quanto menor, o coeficiente de Gini, menor é a concentração de renda.

Depois da implementação do Plano Real, há visível trajetória de diminuição da desigualdade, que guarda paralelo com movimento semelhante verificado nos anos 70, quando o PIB do país cresceu à taxa de mais de 5% ao ano.
A explicação para este fenômeno tem nome e sobrenome: melhora do poder de compra da população de baixa renda. A estabilidade de preços incide diretamente sobre o custo da cesta básica, aumentando a capacidade de consumo dos quem têm menos renda no bolso.
Uma comparação entre o nível de desiguldade nos últimos dez anos e a proporção entre custo da cesta básica e salário mínimo (aqui utilizado como referência para a medir o poder de compra dos mais pobres) revela como é importante o papel desempenhado pela manutenção do poder de compra da população de baixa renda na redução da desigualdade social no Brasil.
Ou seja, se a proporção da cesta básica frente ao salário mínimo diminui, aumenta o poder de compra das camadas de baixa renda.
O barateamento da cesta básica e o aumento do salário mínimo ainda são as maiores ferramentas de desconcentração de renda no Brasil. E a queda da inflação é ainda o principal vetor para a redução da desigualdade social.
Portanto, é uma “meia verdade” dizer que as políticas sociais ficaram mais eficientes e por isto a desigualdade está caindo. A essência do fenômeno ainda é de caráter macroeconômico. Os efeitos microeconômicos existem, mas em menor escala.Em suma, juros altos são fator de concentração de renda. Porém, inflação alta é fator de concentração de renda ainda maior, e por isso é tão indesejável. Estabilidade não é um capricho econômico, é pré-condição para uma sociedade mais justa.