MARCEL PEREIRA

15 setembro 2006

É a inflação, estúpido!

Paradigmas podem ser definidos como simples padrões psicológicos; modelos de navegação para nortear o consciente coletivo. Os paradigmas podem ser valiosos e construtivos para a prosperidade coletiva, mas também podem ser perigosos e daninhos quando tomados como verdades absolutas, sem a aceitação de qualquer possibilidade de novas óticas, provenientes de um rearranjo do ângulo da observação.

É extremamente simplista definir binariamente, entre falso ou verdadeiro, ou entre incorreto ou correto, qualquer passagem histórica, seja em seu viés político, econômico, sociológico, antropológico ou qualquer outro. Porém, muitas vezes, certos paradigmas se formam à base da formatação da complexidade em arranjos simplistas. Daí, muitas vezes, meias verdades se tornam estandartes de uma razão absoluta, ou até “falsas verdades” são forjadas em pilares de uma lógica inquestionável. Não são poucas as vezes em que esses perigosos paradigmas ficam registrados nos livros da história, perpetuando erros de diagnóstico. Necessitando ser quebrado mais a frente, por gerações futuras, ou jamais sendo quebrados; o que, tanto num caso quanto noutro, produz algum tipo de perda.

Nem sempre a quebra de um paradigma, por si só, garante que o aprendizado com a lição será perpetuado, e seu lado daninho estará extirpado. O espírito propício para se absorver tal lição, e transformá-la em um ambiente saudável à perpetuação de uma estrutura frutificativa, depende da capacidade de absorção da informação. O que por sua vez depende da capacidade de compreensão da mesma. O que é ainda mais difícil em situações nas quais a percepção do algo errado precisa ser absorvida por um coletivo da sociedade, e não simplesmente por um indivíduo ou por uma parte do organismo social.

Um exemplo para ilustrar o quão complexo é absorver certas lições pode ser tirado do passado recente, político e econômico, dos Estados Unidos. A gestão do presidente George Bush “Sênior”, entre 1989 e 1992, ficou marcada pela geração de um desequilíbrio no orçamento público para financiar a Guerra do Golfo. Terminado o conflito no Iraque, havia um ligeiro descontrole na inflação e um crescente aumento do desemprego. O pai do atual presidente George W. Bush, às vésperas da campanha eleitoral, na qual tentaria reeleger-se, se via enrolado em equacionar estes problemas. Na campanha eleitoral que elegeu Bill Clinton em 1992, ficou famosa uma frase utilizada por seu estrategista, James Carville, e que virou o símbolo de sua emersão à Casa Branca: “It’s the Economy, Stupid!” (É a economia, estúpido!). Usando de uma certa arrogância, mas em uma dose naquele momento necessária para quebrar um paradigma, assim Carville respondeu a um interlocutor atônito que afirmava não conseguir entender como Clinton houvera batido Bush.

No Brasil atual, antes mesmo da conclusão do pleito, já há uma reflexão atônita daqueles que não conseguem entender a iminente reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A busca por respostas que acalentem essa atônita reflexão anda produzindo paradigmas perigosos e daninhos. O núcleo do diagnóstico é correto: pelos benefícios proporcionados à população de baixa renda. Já o restante do diagnóstico, de que o poder de compra da camada inferior cresce por conta do sucesso dos programas de distribuição de renda (Bolsa Família e Fome Zero) é equivocado. Com o agravante de que isso pode gerar falsas premissas na formulação de políticas públicas futuras.

O poder de compra da população de baixa renda está relativamente mais elevado porque o seu custo de consumo está baixo. É a baixa inflação que aumenta a sua capacidade de gastos, e não os vale-auxílios, distribuídos pelo Governo Federal através de seus programas sociais, quem o faz.

O IPCA está num nível baixo, de 3,84% acumulado nos últimos doze meses, já sendo inferior, por exemplo, à inflação ao consumidor em doze meses nos EUA, que está acumulada em 4,15%. O IPCA mede a variação dos preços numa cesta de produtos consumidos pelas famílias que recebem até 40 salário mínimos. Os índices de preços que medem a variação em cestas consumidas pelas camadas salariais mais baixas têm variação ainda menor durante este mesmo período. É o caso, por exemplo, do INPC, referente à pesquisa com famílias com rendimentos de até 8 salários mínimos; a variação nos últimos doze meses foi de 2,85%. O preço dos alimentos foi o subgrupo com menor variação neste período.
Com isso, o valor da cesta básica, hoje, em 2006, representa 55% do valor do salário mínimo. Há doze anos, quando lançado o Plano Real, valia 100%. Oito anos depois, em 2002, valia 70% (redução de 30 pontos percentuais). Nos últimos quatro anos, foram reduzidos mais 15 pontos percentuais. Já sobra muito mais salário para ser transformado em consumo de outros bens que há até alguns anos atrás era luxo conseguir
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