MARCEL PEREIRA

23 janeiro 2008

Ação do Fed contém o pânico, mas não espanta a crise

Com o fechamento dos mercados norte-americanos na segunda-feira, devido a um feriado nacional, suas bolsas de valores não observaram a retração vista na Europa, Ásia e América Latina. Nesta terça-feira, antes da abertura do mercado nos Estados Unidos, o Federal Reserve anunciou um “corte surpresa” na taxa de juros, que foi reduzida em 0,75 ponto percentual, fixando-se agora a 3,5% ao ano.
A medida, com certeza, impediu a queda acentuada que teria ocorrido nos índices Dow Jones e Nasdaq. Antes do referido anúncio, as bolsas asiáticas haviam fechado em queda ainda maior do que a observada no pregão anterior. E as bolsas européias já operavam com forte viés negativo. Sem o anúncio de corte de juros, seria uma terça-feira daquelas reservadas para os livros de história econômica.
O Fed agiu rápido e administrou o problema no curtíssimo prazo. É possível que tenha conseguido esfriar os ânimos para esse horizonte de tempo, mas, definitivamente, não pôs um ponto final para o atual ciclo de fortíssima instabilidade. A injeção de liquidez proporcionada pela antecipação do corte de juros minimizará os estragos apenas por certo tempo.
A sinalização dada pelo Governo Bush de usar um corte de impostos como estratégia para evitar a recessão foi muito mal recebida pelo mercado. A resposta dos investidores foi clara: os remédios de outrora não funcionarão agora.
Se em outros momentos de pré-estagnação, a injeção de liquidez, via corte de impostos, servia para aquecer o nível de atividade, a macroeconomia agora é outra. Há algumas boas razões para que desta vez seja diferente.
Primeiro, porque o nível de carga tributária já está baixo, uma vez que sua redução foi utilizada como resposta à desaceleração causada pelo estouro da bolha tecnológica, em 2000, e pelo ataque terrorista a Nova Iorque, em 2001.
Segundo, porque a moeda norte-americana está debilitada. Ela não andava tão frágil assim desde a corrida especulativa contra o dólar, após a segunda crise do petróleo, ocasião em que o então presidente do Fed, Paul Volcker, viu-se forçado a subir a taxa de juros para a casa dos dois dígitos.
E, por último, porque as contas públicas estão desajustadas, com relevante déficit fiscal; vulnerabilidade essa agravada por expressivo déficit comercial.
Toda esta conjuntura desequilibrada fez com que a taxa de inflação ao produtor fechasse 2007 com a maior variação dos últimos 26 anos, e a taxa de inflação ao consumidor mostrasse seu pior resultado nos últimos 17 anos.
O que o mercado esperava das Autoridades Monetárias dos EUA eram sinais de que tais problemas seriam contornados. A forte aversão ao risco dos investidores indicou que estes aguardavam um plano de ataque às vulnerabilidades estruturais, e não apenas ações pontuais de injeção de liquidez. Por hora, estes investidores ficaram mais calmos com a decisão tomada, mas estão certos de que o núcleo do problema não foi equacionado.
É bom o Governo Bush não comemorar antes da hora: um eventual ataque especulativo contra o dólar traria contornos distintos e mais graves ao ajuste atualmente circunscrito ao meio financeiro. Com efeito, uma crise de confiança afetando a moeda norte-americana traria problemas que ainda não se vislumbram. teria contornos distintos e mais graves ao ajuste atualmente circunscrito, o que não será bom para ninguém.

18 janeiro 2008

Lições da Crise

O que esperar dos Estados Unidos daqui para frente? A economia norte-americana já dá sinais claros de entrada em um processo recessivo. O contágio a nível mundial só não é ou será pior porque do outro lado do globo há uma economia em escala de gigantismo que está sugando expressiva parte da demanda mundial e, com isso, mantendo o fogo aceso.
A volatilidade do mercado já indica a visibilidade de perdas iminentes, alguns robustos prejuízos (muitos dos quais já expostos), e muitos negócios deixando de ser feitos.Tentando se embrenhar no universo das lições que esta crise traz, é inevitável que perdurem ainda mais perguntas do que respostas, afinal todo o processo ainda está muito recente.
Crises são crises, sejam elas numa economia em escala global, numa empresa multinacional, numa cidade, no comércio da esquina ou na vida pessoal de qualquer indivíduo. Embora suas naturezas sejam muito distintas e envolvam diferentes ciências a estudá-las, todas têm uma particularidade em comum: deixam marcas.
A psicologia define que crises podem ser benéficas ou maléficas, dependendo dos fatores que a formem e das conseqüências que fiquem gravadas no inconsciente. Toda crise é um momento de vulnerabilidade, mas nem toda é uma situação de risco. Há limiares, de caso a caso. Não existem crises iguais. E é por conta disso que por mais que as estudemos, pelos mais diferentes enfoques e utilizando os prismas de diferenciadas ciências, acabamos - depois de identificados os sintomas, aplicados os remédios e corrigidos os males - voltando a ficar expostos a elas.
Mas até onde vai o limite de nossa capacidade de aprendizado para evitá-las? Responder a esta pergunta é o que separa aqueles que conseguem dar passos mais longos dos que tropeçam nas próprias pernas e ficam estirados no maio do caminho, aquém de alcançar seu potencial máximo e ótimo. Novamente: seja a economia de um país que migra entre níveis de desenvolvimento e de subdesenvolvimento, seja uma empresa que luta para diferenciar-se em escala de produção, uma cidade buscando se equilibrar entre a atração e a evasão de capitais físicos e humanos, um pequeno comércio que quer ampliar suas vendas, ou uma pessoa que visa ter sucesso equilibrado entre os eixos profissional, pessoal e afetivo.
Este texto se limitará a ater sobre o universo da gestão macroeconômica. Particularmente e especificamente sobre os Estados Unidos, onde estourou a bolha do mercado de crédito imobiliário que iniciou todo o processo que está mantendo olhos e ouvidos, em escala global, atentos às variações nas cotações de ativos. A origem de todo o problema está num ciclo econômico de longo prazo da economia norte-americana. O embrião tem nome e sobrenome: desajuste fiscal.As razões para o desajuste fiscal? Destacam-se ao menos duas: (1) redução do nível de impostos como resposta à recessão após o estouro da bolha da Nasdaq, e (2) estouro dos gastos militares com a ação militar no Iraque. Daí para frente, tudo o que ocorre é um efeito bola de neve, que inclui queda abrupta da taxa de juros, maior vulnerabilidade das contas externas e gradualismo na recondução dos juros, empurrando o problema para frente, de forma a se tentar que a liquidez do mercado esterilizasse parte dos desequilíbrios induzidos.
O que intriga é: depois de tantos exemplos em sua história econômica de problemas graves induzidos por um excessivo e desmedido desajuste do orçamento público, por que a reincidência no erro?
O erro não é a indução da expansão fiscal. A teoria econômica já provou como, em circunstâncias particulares, a expansão dos gastos se faz necessária. A corrente keynesiana foi a que melhor elaborou tais modelos. Mas todos os que provam seu gosto, parecem ser contagiados por um incontrolável sentido de se lambuzar.Na história recente, a economia dos EUA passou por esta condição de desequilíbrio fiscal agudo entre 1982 e 86. Depois voltou a enfrentá-la entre 1990 e 92. Após um longo período de “conserto” na Era Bill Clinton, vivenciou um novo desmantelamento fiscal a partir de 2001, chegando ao pico histórico em 2004. E dentre estas idas e vindas, montagens e desmontes, avanços e recuos, segue sendo a locomotiva mais rígida e confiável da economia do planeta. Ainda assim, é recomendável não se abusar.Qual será o segredo? Será que a economia só caminha para frente quando alterna ciclos de ajuste e desajuste? Será que uma caminhada em equilíbrio é utópica? Ou pior: será irreal? Impossível de ser traçada e reservada a semi-deuses?
Talvez o melhor seja não concluir, ou não tentar impor ou induzir respostas, tão só deixar tais perguntas no ar. A história mostra os erros e acertos do passado, ela permite que se possa, probabilisticamente, se antever onde e como se acertou ou se errou mais, e quem chegou “às páginas finais” em melhores condições financeiras, individuais e emocionais. Cada um que trate de construir o ambiente certo e provocar os questionamentos que lhes levem – ao país, à empresa, à cidade, ao negócio e a si mesmo –- a analisar os fatos, usar a habilidade de escolher respostas e fazer as melhores escolhas, rumo ao desenvolvimento. Mas, que não se perca no horizonte que as conseqüências, cedo ou tarde, cobram a conta, de quem quer que seja, se as escolhas não sejam as certas.